sábado, 12 de setembro de 2015

O mar, a pedra e o amor.

          A água espumante e salgada se projeta em ondas que quebram nas pedras da superfície, há céu cinza e há nuvens espessas, há o sopro do vento e o barulho do mar, há a linha do horizonte que se estende nos limites da visão, há a pupila que observa, há pés sobre a pedra e areia por entre os dedos.
         Sobretudo o pensamento, além dos limites palpáveis, interpõe-se ao cenário e distorce o ambiente. Aquele que perde o olhar no limite do horizonte, não está a observar seus limites, mas sim a questionar suas possibilidades.
       "O que faz aí sozinho?", disse um conhecido ao aproximar-se. "Está pensando na vida?".
       "Às vezes faz bem”, disse amigavelmente e completou, “sim, eu vim refletir um pouco".
       "Alguém especial ou problemas financeiros?".
       "É sempre uma das duas", respondeu sem se entregar, "não é?".
       "Sim". Ambos riram forçosamente, sabiam que havia muito mais no que se pensar, mas estavam cientes que essas são as duas coisas que mais preocupam a maioria das pessoas.
       "É alguém especial", confessou finalmente.
       "Fica tranquilo, ela volta".
       "Não, ela não volta, algumas pessoas simplesmente passam, é a transitoriedade da vida, e particularmente, eu prefiro assim. Quando seu sistema imunológico combate um vírus e o aniquila, ele aprende como vencê-lo e você não é mais infectado por aquele mesmo tipo de vírus, com o amor funciona de maneira parecida".
       "Mas não se pode ser imune ao amor".
       "Isso é platônico".
       "O quê?".
       "Isso de dizer que não se pode ser imune ao amor, é algo idealizado por novelas e romances baratos, o amor perfeito que supera tudo não existe de verdade".
       "E qual sua ideia de amor?"
       "Não é a minha ideia, mas sim o que realmente é".
       "E o que é?"
       "É como essa pedra bruta que apanha das ondas e não sai do lugar, que é tocada pelo mar e o adora, mas não faz ideia de sua profundidade, e não o teme, pois não conhece a força de suas águas”.

Carlos Eduardo Taveira dos Santos



quinta-feira, 10 de setembro de 2015

A Igreja - [Trecho de O Mal de Otávio]


          
          O âmbito tinha uma arquitetura pseudogótica, a iluminação oblíqua e débil das velas, era reforçada pelo resquício de luz vespertina que trespassava os vitrais coloridos das janelas pontiagudas, neles havia mosaicos da Sagrada Família, do Menino Jesus, e da Santa Mãe Virgem; quatro pilares de cada lado estruturavam a abóboda da nave, na frente de cada pilar havia uma estatua de gesso que representava um santo diferente. Otávio distinguiu São Francisco de Assis, o protetor dos animais, São Jorge montado em seu cavalo branco a esmagar o dragão maligno, São Pedro com a chave do céu, além de outros tantos que fugiam ao seu conhecimento; o altar tinha o chão de mármore e a mesa estava forrada com toalha branca, sobreposto estava o cálice, a âmbula dourada com as hóstias, as galhetas com água e vinho, e o Missale Romanum, na parede ao fundo do altar, havia uma cruz cor de carvalho ostentando a imagem de Cristo, magro e humilhado, com o ferimento da lança ao lado do peito, coroado com espinhos na cabeça a gotejar sangue, o semblante cabisbaixo de um derrotado. Imerso em sua análise, Otávio concluiu que não havia melhor sentença do que a própria que foi dita: "Pai, perdoai-os, pois não sabem o que fazem".

O Mal

O mal quer nos ver entregue
A morte não quer nos levar
A vida impõe dificuldades
A dor quer nos apanhar

Os fortes não sabem perder
Os fracos não sabem ganhar
O risco paralisa você
O medo te faz chorar

A dor não deixa esquecer
O coração não quer lembrar
As imagens atormentam você

Pesadelos não deixam sonhar

Tolos não querem compreender
Sábios estão tentando explicar
Os cegos ainda podem ver
E os surdos podem escutar

Homens não são deuses
O mundo não vai acabar
O mal dominou a terra
E nela irá continuar

Carlos Eduardo Taveira dos Santos


Pintura de Paul Gauguin [1848 - 1903] - Eva e a árvore da ciência.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Vias do Vento

                     Olá meu caro desamor, faz algum tempo que não nos correspondemos, minhas cartas não chegam mais a ti e nem mesmo meu falcão pôde localizá-la, entretanto descobri as vias do vento, recebi, através de um sopro em meu ouvido, a garantia de que bastava escrever, fazer um aviãozinho e atirar ao ar para que a mensagem lhe fosse entregue.
                Escrevi para lhe dizer que estive num ambiente comum as nossas memórias.
                Hoje resolvi pedalar, segui paralelo à linha do trem em direção ao imenso descampado, todo aquele vazio era como a própria savana de meu coração, árvores mirradas e sombras escassas, o Sol escaldante arde como a latejada incomoda, o firmamento dono de um azul tão pálido, quase branco, nuvens tênues cujas formas não se assimilavam a nada. No solo as colônias de cupinzeiros protuberantes aqui e ali.
                Encostei a bicicleta numa árvore e sentei na grama, como quem prepara um ritual, preparei meu fumo e acendi, logo ouvi seu sorriso bem próximo, em seguida vi sua imagem pedalando ao longe.
                Um trem passou e o maquinista acenou pra mim. Eu estava próximo à placa escrita ‘fim da linha’, creio que se lembre, foi exatamente onde paramos.
Ass. Eterno desamor